sábado, 13 de novembro de 2010

BIOGRAFIA VIDA E OBRA DE VALDIK SORIANO

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Waldick Soriano
* Caetité, Bahia, Brasil – 13 de Maio de 1933 d.C
+ Rio de Janeiro, Brasil, – 4 de Setembro de 2008 d.C
Nascido na Bahia, filho de Manuel Sebastião Soriano, comerciante de ametistas no distrito de Brejinho das Ametistas, em sua cidade natal. Fato marcante de sua infância foi o abandono do lar pela mãe, a quem era muito apegado.
Em Caetité viveu sua juventude, sempre boêmia, até um incidente num clube local, que o fez buscar o destino fora da cidade. Desde muito novo era um inveterado namorador e aventureiro e, seguindo o caminho de muitos sertanejos, foi tentar a vida em São Paulo.
Antes de ingressar na carreira artística, trabalhou como lavrador, engraxate e garimpeiro. Apesar das dificuldades, conseguiu se tornar conhecido nos anos 50 com a música “Quem és tu?”.
Ele se destacava por suas canções sobre dor-de-cotovelo e seu visual revolucionário para a época: sempre usava roupas negras e óculos escuros.
Seu maior sucesso foi “Eu não sou cachorro não”, que foi regravada em inglês macarrônico por Falcão. Também se tornaram conhecidas outras músicas suas, tais como “Paixão de um Homem”, “A Carta”, “A Dama de Vermelho” e “Se Eu Morresse Amanhã”.
O porta voz da dor de cotovelo, Waldick Soriano.
Um personagem que já está na história do Brasil, mesmo contra o nariz empoado dos pseudos intelectuais.
Para quem não lembra ou não tem nenhuma MP3 do Waldick Soriano (quase impossível), aqui algumas letras de músicas da lavra do bardo baiano:
Paixão De Um Homem
Amigo
Por favor leve essa carta
E entregue à aquela ingrata
E diga como eu estou
Com os olhos rasos d’água
E o coração cheio de mágoa
Estou morrendo de amor

Amigo
Eu queria estar presente
Para ver o que ela sente
Quando alguém fala em meu nome
Eu não sei se ela me ama
Eu só sei que ela maltrata
O coração de um pobre homem

Amigo
Se essa cartinha falasse
Pra dizer àquela ingrata
Como está meu coração
Vou ficar aqui chorando
Pois um homem
Quando chora
Tem no peito uma paixão

Ah! Vou ficar aqui chorando
Pois um homem quando chora
Tem no peito uma paixão

Torturas de Amor
Hoje que a noite está calma
E que minh’alma esperava por ti
Apareceste afinal
Torturando este ser que te adora
Volta fica comigo
Só mais uma noite
Quero viver junto a ti
Volta meu amor
Fica comigo não me desprezes
A noite é nossa
E o meu amor pertence a ti

Hoje eu quero paz
Quero ternura em nossas vidas
Quero viver por toda vida
Pensando em ti


Fafá de Belém canta Tortura de Amor um dos maiores sucessos de Waldick Soriano
Eu Não Sou Cachorro Não
Eu não sou cachorro não
Pra viver tão humilhado

Eu não sou cachorro não
Para ser tão desprezado
Tu não sabes compreender
Quem te ama
quem te adora
Tu só sabes maltratar-me
E é por isso que eu vou embora

A pior coisa do mundo
É amar sem ser amado
Quem despreza um grande amor
Não merece ser feliz
Nem tão pouco ser amado

Tu devias compreender
Que por ti, tenho paixão
Pelo nosso amor,
Pelo amor de Deus
Eu não sou cachorro não.


Vídeo – Eu não sou cachorro não
O “fenômeno” Waldick
A posição quase marginal que o ritmo “cafona” ocupou mereceu uma análise mais acurada e científica, já na 5ª edição, pelo historiador e jornalista Paulo César de Araújo.
Intitulado “Eu não sou cachorro, não – Música popular cafona e ditadura militar” (Rio de Janeiro, Record, 2005), a obra traz, já em seu título, uma referência a este cantor e sua música de maior sucesso. Ali o autor contesta, de forma veemente, o papel de adesista ao regime de exceção implantado a ferro e fogo no Brasil pelos militares, por parte dos músicos “bregas”. Waldick, segundo ele, é um dos exemplos, tendo sua música “Tortura de Amor” censurada em 1974, quando foi por ele reeditada. Apesar de ser uma composição de 1962, o regime não tolerava que se falasse a palavra “tortura”…
Patrícia Pillar fala da emoção de exibir seu filme para o público
Patricia Pilar dirigindo Waldick Soriano – Foto O Globo
“Me aproximei de Waldick como fã e, hoje, posso dizer que me sinto parte da família. Percorrendo o Brasil, vi o quanto ele era querido e derretia o coração das fãs. Waldick, além de ser um grande artista popular, era um homem amoroso e sempre tinha um olhar inteligente sobre as coisas. Com seu jeito divertido, conseguia falar direto ao coração. Waldick fará falta porque era um invasor de corações e a cara do Brasil”.
Por mais que role um friozinho na barriga, com o passar dos anos os atores se acostumam às estreias, certo? Não foi o que aconteceu com a consagrada, semana passada. Em entrevista ao EGO, ela conta que sentiu uma emoção diferente de tudo que já vivera na carreira ao fazer seu début como diretora no É tudo verdade.
Seu filme “Waldick, sempre no meu coração” foi visto pela primeira vez pelo público no festival, que vai até o dia 6, no Rio. “Fiquei comovida de ver como as pessoas receberam o filme. Elas riram, choraram, foi impressionante”.
O documentário, de 52 minutos, conta a história de Waldick Soriano, desde os tempos em que era garimpeiro até a sua consagração como um dos ícones da música popular brasileira. Patrícia, que está no elenco de “Juízo Final”, próxima novela das oito da Globo, diz que provavelmente voltará a dirigir. Parece que tomou gosto mesmo pela coisa…
EGO: Como foi apresentar seu filme para o público? Superou as suas expectativas?
Patrícia Pillar: Até mostrá-lo para o público, “Waldick” era uma viagem minha, solitária. Eu fiquei mais de dois anos fazendo o filme, nos intervalos dos meus trabalhos. E fiquei impressionada com a maneira como as pessoas o receberam. Elas riram, choraram… Eu consegui tocá-las e vi que consegui me comunicar, o que é muito bom. Foi comovente…
Mas você á é uma atriz consagrada. Ainda se emociona com estréias?
É diferente, esta foi a primeira vez que fiz um filme. Como atriz, seja na TV ou no cinema, quando você vê o resultado final já deu tempo de ter se distanciado do personagem. Já deu tempo de ter se separado dele. E no filme eu não senti isso, parecia que ele estava ali comigo ainda.
Pretende dirigir novamente?
Eu nunca fui documentarista. Resolvi fazer este filme porque a história do Waldick me interessou. E acabei dirigindo também seu DVD e seu show. Ainda tenho muito o que embalar esse filho, mas provavelmente voltarei a dirigir. Fui acalentando desejos ao longo da minha carreira, e a realização de ideias é um deles.
Quando ‘Waldick’ entra em cartaz nos cinemas?
Ainda nem pensei nisso, mas deve ser em um circuito alternativo. Foi tudo muito corrido, ainda tenho de ver uma distribuidora. O que posso dizer é que no dia 12 estaremos no Cine Ceará.
E hoje como está a sua relação com Waldick?
Nós ficamos amigos, volta e meia nos falamos. Agora vou encontrá-lo no Ceará.
A revista “Nossa História”, de dezembro de 2005, refere-se ao cantor como “o mais folclórico dos cafonas” (ano 3, nº26, ed. Vera Cruz).
Num dos programas do apresentador Jô Soares, o músico Ubirajara Penacho dos Reis – Bira – declarou que nos anos 60 tocava apenas os sucessos de Waldick.
Na sua cidade natal, Waldick sempre foi tratado com certo menosprezo. Aristocrática, Caetité mantinha apenas nas camadas mais populares uma fiel admiração. Ali teve dois de seus filhos, gêmeos, de forma quase despercebida, em 1966. Em meados da década de 90, porém, a cidade teve num político o resgate do filho ilustre. O vereador Edilson Batista protagonizou uma grande homenagem, que nomeou uma das principais avenidas com o nome de Waldick. Pouco tempo depois, o SBT realizava ali um documentário, encenado por moradores locais, retratando a juventude de Waldick, sua paixão pela professora Zilmar Moura, a mudança para o sul.
Sílvio Santos aliás, protagonizou com Waldick uma das mais inusitadas cenas da televisão brasileira: no abraço que deram, foram perdendo o equilíbrio até ambos caírem, abraçados, no chão. Ali, então, simularam um “affair”, provocando risos na platéia.
Por tudo isto, Waldick Soriano faz-se símbolo, no Brasil inteiro, de um estilo, de uma classe social, e da sua manifestação cultural, pulsante e criativa.
“Waldick era o nosso último beatnik. Ninguém cantou as dores de amores do Brasil como ele. Era um poeta que escrevia suas canções com sangue e fel. Com ele morre um Brasil.” ZECA BALEIRO, Cantor e compositor.
Primeiro LP em vinil
A voz das estradas
Sebastião Nery – Tribuna da Imprensa
Estava em Jaguaquara, minha pequena e querida cidade do interior da Bahia, em 1958, quando o Serviço de Alto-Falantes Nossa Senhora Auxiliadora anunciou que o cinema, fechado há uma semana por falta de filme, estaria aberto naquela noite para apresentação de um cantor de sucesso, chegado de Minas, “A Voz das Estradas”.
Oito da noite, não havia mais um lugar vazio. No palco, apenas uma cadeira e uma mesinha, com uma garrafa de uísque nacional e um copo vazio. Aparece um rapaz magro, alto, cigarro no dedo, físico de estivador, cara agressiva, de chapéu, o antiartista. Mas com um violão na mão.
O cantor
- Meus senhores e minhas senhoras, lindas jovens desta cidade simpática. Vocês não me conhecem. Talvez nunca tenham ouvido falar em meu nome. Eu sou um cantor do povo. Minha vida é ir de cidade em cidade, do norte ao sul, cantando em todo lugar, por menor que seja. Hoje, me chamam “A Voz das Estradas”. Não apareço nas televisões, porque televisão é para cantor que tem máquina de propaganda montada, e eu não tenho.
Também as rádios quase não tocam meus discos, porque não tenho dinheiro para pagar. Mas não há serviço de alto-falante que não tenha um disco meu. Por isso, eu mesmo pago para fazer meus discos e saio vendendo de cidade em cidade. Depois desse espetáculo, quem quiser ficar com um de lembrança, pode me procurar aqui no palco. Quero apenas que ouçam minha música em silêncio e guardem meu nome, porque ainda vou ser um grande cantor de sucesso, custe o que custar. Eu sou Waldick Soriano.
Waldick Soriano
Ganhou logo uma salva de palmas de mãos cheias, agradecidas por aquele inesperado cinema que não iam ter. E cantou. Cantou a noite inteira, sem parar. Meia-noite ainda estava de pé, violão no peito, chapéu na testa, andando de um lado para o outro e cantando pela terceira, quarta vez, sob palmas unânimes, principalmente da garotada, os números de sucesso, as músicas que eram o carro-chefe do espetáculo:
“Pobre do pobre”, história do rapaz do interior que não pôde casar com a namorada rica porque era pobre, “Eu não sou cachorro não”, lamento de uma história parecida. Anos anos depois, Waldick Soriano apareceu no Rio e São Paulo como um grande cartaz. Chapéu na cabeça, cara agressiva, invadiu as televisões, o rádio e o society, como tinha prometido dez anos antes.
O camelô
Nascido em Caetité, no sertão da Bahia (terra de Anísio Teixeira), foi para Minas tentar a sorte. Em 1952, em Belo Horizonte, lapidava pedras semipreciosas de manhã, e à tarde era camelô. Camelô como foi Sílvio Santos. Durante muitos anos, Nelson Gonçalves foi o cantor dos cabarés e serviços de alto-falante do Brasil. O trono passou para o camelô Waldick.
Gervásio Horta, vitorioso compositor mineiro, parceiro de alguns dos maiores sucessos de Waldick, acha que o segredo dele foi o machismo:
- A vida artística brasileira é muito refrescada demais. Como Jece Valadão no cinema, Waldick fez o machão no microfone. Ficou dono do campo. A linha de suas músicas é toda essa: “Paixão de um homem” (”Amigo, por favor leve essa carta”…), “Eu também sou gente”. Compus agora para ele “Desligue o seu rádio”. Mais do que o artista sedutor, ele é o cantor do povo que veio por aí pelas estradas, de cidade em cidade.
O revólver
Waldick era exclusivo da gravadora Chantecler. Em 65 achou que estava sendo roubado. Trancou-se com o diretor numa sala, tirou o revólver:
- Ou assina o meu cheque ou morre.
Saiu com o cheque. Dentro de um café society de cheques frios ele tinha que fazer furor. Era um cheque quente. O machão do society carioca.
“O Pasquim”
Esse texto aí em cima eu o escrevi em 1972, para a abertura de sua entrevista de capa ao “O Pasquim”, edição 155, de junho de 72:
“Waldick Soriano, de Caetité para o mundo”.
Quando ele começou, a televisão mal começava, era tudo no rádio, comandado do Rio e São Paulo. Não havia João Gilberto nem a bossa nova ao piano e ao violão, nos becos e garrafas de Copacabana. Não havia os Luciano e Leonardo, filhos de Francisco, nem os chorosos Xitãozinho e Xororó. Eram só o violão, a estrada e a garganta. E uma cidade e um show por noite. E ele todo vestido de preto, com seu chapéu preto.
Patricia Pillar
Há algum tempo ele estava por Teresina, com a diretora do balé do Teatro do Piauí. Sempre com um uísque e um cigarro. E o vozeirão do povão. Sempre cantando, sempre fazendo shows. Ainda bem que o profissionalismo e a sensibilidade de Patricia Pillar perpetuaram em vídeo sua voz, seu charme, o sorriso zombeteiro, o jeitão de bom baiano do sertão.
Estroinamente como meu amigo viveu, 75 anos foram um bom saldo.
Doença
Waldick teve diagnosticado um câncer de próstata em 2006. Em 2 de julho de 2008 foi divulgado que seu estado de saúde era grave, pois já ocorrera metástase da doença.
Veio a falecer em 4 de setembro no Instituto Nacional do Câncer (Inca), em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro.
Gravou 80 discos e compôs 500 músicas
Discografia - principais discos
Quem és tu?/Só você
Ninguém é de ninguém
Dona do meu coração/Mais uma desventura
Perdão pela minha dor/Amor de Vênus
Sede de amor/Renúncia
Waldick Soriano
Fujo de ti/Tortura de amor
Ciúmes/Desunião
Homenagem a Recife/Amor numa serenata
Cantor apaixonado
Quem é você?/Vestida de branco
Foi Deus/Errei Senhor
Pobre do pobre/Se eu morresse amanhã
Motivos banais/É melhor eu ir embora
A justiça de Deus/Tu és meu mundo
Manaus, meu paraíso/Pisa no calo dele
Enfim você voltou/Pensei que estava sonhando
Eu vou ao casamento dela/A maior injustiça do mundo
O elegante Waldick Soriano
Como você mudou pra mim
Waldick sempre Waldick
Boleros para ouvir, amar e sonhar
Waldick Continental
No coração do povo
Eu também sou gente
Ele também precisa de carinho
Segue o teu caminho
Quero ser teu escravo
Vídeo – Waldick Soriano, ” O Cara!”Os cafonas do AI-5
Os Cafonas do AI 5Fonte: sambachoro.com.br
Waldick Soriano teve música proibida por causa da palavra ‘tortura’. De tanto ser censurado, Odair José preferiu deixar o país. Benito di Paula quis saber o que fizeram com Vandré. Conheça a face oculta dos bregas. A História como a fase mais dura do governo militar. De 1968 a 1978 vigorou o Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso, cassou mandatos e bloqueou direitos constitucionais.
Naqueles anos, a cultura fez o que pôde para garantir espaço e divulgar idéias. Mas teatros eram invadidos por causa peças tidas como subversivas. O cinema enfrentava tarjas pretas tapando closes imorais.
A música marcou presença na resistência à ditadura com através das letras de Geraldo Vandré, Chico Buarque, Gonzaguinha e, aqui vem o espantoso, cantores cafonas como Benito di Paula, Odair José e Waldick Soriano.
A partir de uma série de reportagens que tem como base o livro Eu não sou cachorro, não (música popular cafona e ditadura militar), do
historiador Paulo César de Araújo, lançado pela editora Record e nas lojas a partir desta semana. Em 480 páginas, o autor percorre os principais
fatos e personagens dos anos 70, valendo-se da obra de cantores e compositores que na época foram e até hoje são identificados à cafonice.
O livro defende que aquela geração de cantores românticos não era tão alienada quanto parecia. Nelson Ned, Claudio Fontana, Benito di Paula,
Fernando Mendes e Lindomar Castilho também fizeram canções de protesto futucar temas sociais e políticos.
Comumente esquecidos ou menosprezados, eles também refletiam, em suas letras, a confusão ideológica e o clima dos anos de chumbo. O livro reproduz em suas páginas documentos inéditos que revelam a censura sofrida por esses cantores. Um dos campeões de veto Odair José – na maioria das vezes, calado por questões de ordem moral.
A proibição podia ter motivos esdrúxulos. Waldick Soriano teve um bolero romântico censurado em 1974 só por causa do título: era Tortura de amor, que ele havia composto em 1962 e deu de regravar logo no período mais fechado de um regime que produziu grande número de desaparecidos.
Eu não sou cachorro, não vai além da cafonália e, num movimento inverso, recupera histórias de adesão da elite da MPB ao regime dos generais, flagrando em momentos suspeitos artistas ligados à tradição, à nobreza e à intelectualidade da música brasileira. sambista Leci Brandão, hoje engajada em movimentos contra a discriminação de minorias, fez em 1972 um samba em que dizia “nada sei de preconceito”, falando numa perfeita integração racial saudando o “amigo branco da rua”.
Jorge Ben, que sempre cobrado por ter composto País tropical, um discurso exaltativo demais para aquele 1969, foi até mais fundo: no ano seguinte, assinou letra música de Brasil, eu fico, resposta de carneirinho ao slogan Brasil, ame-o ou deixe-o”, bordão do governo Médici.
Quando reflete sobre essa espécie de inversão de valores, Paulo César de Araújo questiona a produção historiográfica relativa à música brasileira e acaba apontando erros cometidos pelos memorialistas. Segundo o autor, este limbo da História onde os cafonas acabaram parando foi provocado por uma junção de preconceito e pesquisas mal-feitas.
Nos últimos dez dias, o JB enviou provas de prelo do livro a historiadores, professores de História, jornalistas e pesquisadores musicais citados no seu texto, como Ricardo Cravo Albin, Heloísa Buarque de Hollanda, Marcelo Fróes e Chico Alencar.
Todos leram pelo menos alguns capítulos do livro, poucos fizeram reparos ou observações, a maioria adotou um discurso na base do desculpe-a-nossa-falha.
“Meus próximos livros terão que ser revistos”, diz Chico Alencar, professor de História da UFRJ e deputado estadual pelo PT.
Compositores como Caetano Veloso e Chico Buarque também puderam ter acesso ao livro, através do JB (depois, o leitor verá as críticas à obra ou o mea culpa de cantores e historiadores questionados no texto).
Eu não sou cachorro,não,que surgiu como tese de mestrado na UNI-Rio em 1997, pode ser enquadrado dentro de uma corrente relativamente nova no estudo acadêmico, que ganhou força no Brasil a partir do fim dos anos 80 e mais recentemente com o lançamento por aqui de coleções como História da vida privada, da Companhia das Letras.
É a escola de franceses como Georges Duby, Jacques Le Goff e Michelle Perrot (esta, especialista em setores subalternos da sociedade). São autores que defendem a investigação dos vácuos de memória, realizada a partir da pesquisa não dos heróis ou dos grandes fatos, mas dos pequenos feitos, que ganham assim nova dimensão histórica. “O lançamento deste livro é um grande acontecimento”, diz o cantor e compositor Caetano Veloso, classificando-o como “genial, uma das melhores obras sobre música dos últimos tempos”.
A euforia de Caetano é explicável. Mais do que ninguém em sua área, ele é ferrenho questionador dos “significados perversos” que a sigla MPB costuma carregar, afastando os artistas mais populares da turma que faz sucesso junto à classe média e à elite. Já o compositor Chico Buarque desconfia que o livro não seja sério.
Lembre que geração foi essa
O livro foca a sua narrativa nas histórias de um determinado núcleo de cantores classificados pelo autor como a “segunda geração de cafonas”. É a geração que fez sucesso entre 1968 e 1978. Suas figuras mais importantes são Odair José, Waldick Soriano, Nelson Ned e Paulo Sérgio.
Houve um primeiro grupo de cantores românticos identificados à cafonice, no fim dos anos 50, como Anísio Silva e Orlando Dias. E ainda um terceiro movimento, com apogeu no fim dos anos 70, incluídos aí Sidney Magal, Giliard e a dupla Jane & Herondy. A seguir, um breve perfil dos cafonas do AI-5.
ODAIR JOSÉ – Autor de Pare de tomar a pílula, Vou tirar você desse lugar (narrando a paixão por uma prostituta) e Deixe essa vergonha de lado (para domésticas). Odair era o “terror das empregadas”.
WALDICK SORIANO – Entre os cafonas, talvez seja o mais cafona. Estava sempre de chapéu e óculos escuros. É autor do bolero Tortura de amor
(”Hoje que a noite está calma/ e que minh’alma esperava por ti”) e da canção que dá título ao livro de Paulo Cesar de Araújo, Eu não sou
cachorro, não.
NELSON NED – O primeiro LP do mineiro Nelson Ned tentava explorar o seu nanismo, com o título Um show de 90 centímetros. O livro conta uma história pouco conhecida: antes de gravar o LP, Ned havia tentado se enturmar com os compositores do Clube da Esquina, freqüentando a casa de Lô Borges. Foi bem aceito mas nenhuma parceria se concretizou. Seu maior sucesso é a balada Tudo passará. Ned tem uma importante carreira no exterior. Em 1993, entrou para a igreja evangélica.
PAULO SÉRGIO – Iniciou a carreira em 1967, imitando Roberto Carlos. Tinha voz e visual parecidos com os do Rei. Entre suas gravações mais conhecidas está A última canção. O livro enxerga Paulo Sérgio como o deflagrador de um estilo, espécie de pioneiro da geração cafona dos tempos do AI-5. Morreu em 1980. Seu túmulo no Caju até hoje é muito visitado no Dia de Finados.
AGNALDO TIMÓTEO – É provavelmente o mais famoso dos cafonas, até porque também fez carreira política. No livro, aparece com destaque um grupo de canções de Timóteo que abordam a temática homossexual. Participou recentemente do reality-show Casa dos artistas.
BENITO DI PAULA – Vestido como cigano, de brinco e calça de boca larga, Benito escreveu Charlie Brown, Retalhos de cetim e Tudo está no seu lugar. O tipo de música que faz costuma ser tachado de sambão jóia, termo que o afasta dos autores de samba de raiz.
OUTROS – A dupla Dom & Ravel, da marcha Eu te amo, meu Brasil, Luiz Ayrão, Lindomar Castilho, Fernando Mendes, Claudio Fontana, Claudia Barroso, Reginaldo Rossi,Carmen Silva e o Wando de antes da fase obsessivamente obscena.
Algumas letras proibidas e a razão de cada veto
Tal como Geraldo Vandré ou Gonzaguinha, os cantores populares românticos tiveram dezenas de canções proibidas. Os motivos eram os mais diversos: enxergavam-se nas letras temas políticos perigosos, havia um clima de forte repressão moral e em alguns casos a censura não passava de pura perseguição. O livro Eu não sou cachorro, não conta as histórias destes vetos e apresenta documentos que permaneciam intocados nos arquivos públicos do Rio e de Brasília, e que revelam como o governo quis calar também os cafonas durante o período do AI-5.
UMA VIDA SÓ – Letra, música e gravação de Odair José (1973)
Trecho
“Todo dia a gente ama/ mas você não quer deixar nascer/ o fruto desse amor/ pare de tomar a pílula/ porque ela não deixa o nosso filho nascer”
Uma pílula perigosa
A balada Uma vida só, mais conhecida pelo verso “pare de tomar a pílula”, teve sua execução proibida nas rádios. Na época, o regime militar
patrocinava uma entidade chamada Bemfam (Sociedade Civil Bem-Estar Familiar no Brasil), desenvolvendo pesada campanha de controle de
natalidade. Seus boletins tinham ensinamentos como “é preciso frear a proliferação da infância abandonada no país, que contribui para a poluição social e sanitária”.
O governo achava que o bolo do PIB devia ser dividido por menos gente. Não tomar pílula e engravidar, portanto, era como participar de um ato contra o regime. Odair foi parar na polícia e sofreu boicote do apresentador Chacrinha. Empresários de laboratórios farmacêuticos o procuraram oferecendo dinheiro para calar a canção.
Uma vida só foi liberada em 1979. A Bemfam virou ONG e existe até hoje, agora doando preservativos. Por ano são vendidas 110 milhões de cartelas de anticoncepcionais no país.
MEU PEQUENO AMIGO – Letra, música e gravação de Fernando Mendes (1974)
Trecho
“Sem querer você se foi/ e hoje choram por você/ até as flores do jardim entristeceram/ digam pra mim onde ele está/ o que fizeram com meu pequeno amigo?”
Seqüestro de duplo sentido
O que seria apenas uma homenagem a Carlos Ramirez Costa, o Carlinhos, garoto seqüestrado no Rio meses antes, pareceu aos olhos dos censores uma canção de cunho político. A sua letra foi apresentada ao Departamento de Censura no início de 1974 e liberada com a recomendação de que fosse impresso no disco o subtítulo Tributo a Carlinhos. Mas as rádios começaram a tocar demais e veio uma repentina ordem de proibição.
Segundo relatórios do projeto Brasil: nunca mais, é justamente no período de 1973/1974 que se registra o maior número de desaparecidos políticos no país. Fernando Mendes, o autor de Meu pequeno amigo (e também do hit Cadeira de rodas), poderia estar lamentando o sumiço de algum companheiro subversivo. Longe disso: a canção era de fato um tributo a Carlinhos. O crime ganhou espaço na mídia, a foto daquele lourinho sorrindo foi amplamente divulgada na TV, mas ele jamais voltou.
TREZE ANOS – Letra, música e gravação de Luiz Ayrão (1977)
Trecho
“Há treze anos eu te aturo e não agüento mais/ não há cristo que suporte e eu não suporto mais/ você vem me sufocando como o próprio gás”
Disfarçando no título
Os censores repararam que a letra de Treze anos era provocativa. Afinal, a música foi lançada em 1977, quando os militares comemoravam os 13 anos da Revolução. O LP de Ayrão foi bloqueado ainda na fábrica. Pressionado pela gravadora a dar um desfecho para o problema, o autor tomou a seguinte decisão: mandou a letra a uma outra divisão da censura, sem alterar uma vírgula sequer, trocando apenas o nome da canção para O divórcio.
Liberaram. Ayrão conta que, tempos depois, o disco chegou às mãos do general Fernando Bethlem, ministro do Exército. Após ouvir O divórcio, o oficial teria esbravejado com os funcionários da Censura: “Esse cara nos sacaneou e vocês deixaram!” O mesmo LP de Luiz Ayrão ainda teria mais um problema antes de ser liberado: O chorinho Amigo Chico permaneceu vetado até que o artista fez ver aos censores que a música inspiradora de sua obra, o choro Meu caro amigo, de Chico Buarque, estava tocando nas rádios e à venda, normalmente, nas lojas.
ANIMAIS IRRACIONAIS – Letra e música de Dom, gravada por Dom & Ravel (1974)
Trecho
“É a luta dos seres humanos, um grande açoitando um pequeno/ terceiros mandando apartar/ na maioria das vezes o grande não quer parar”
Contra a corrente pra frenteO regime militar propagava a idéia da união de todos em prol de um objetivo comum, o que costumava-se chamar de “corrente pra frente”. Por causa da música Animais irracionais, que registrava um quadro social de luta entre opressores e oprimidos, os irmãos Dom e Ravel foram intimados a comparecer na polícia. Dom conhecia um coronel que tinha um parente atuando na área jurídica da Divisão de Censura da PF em Brasília. Só com esse pistolão o compositor pôde defender pessoalmente a música.
Foi à capital e jogou uma lorota: falou aos censores que se tratava “de uma música em solidariedade ao povo judeu, tão perseguido em vários momentos da história”. Colou. Ela foi liberada em questão de dias.
“Mas a música era sobre o Brasil mesmo”, afirma Dom no livro. Procurado pelo JB, Ravel enviou um fax à Redação com mais uma análise sobre a letra: “Ela falava da violência dos mais fortes sobre os mais fracos e do desvio dos recursos financeiros pelas mãos de egoístas desregrados.”
Estranho, bizarro, inacreditávelO historiador Paulo César de Araújo reuniu histórias curiosas e situações surpreendentes envolvendo cantores e compositores populares, sempre os relacionando com os principais fatos musicais e políticos da época do AI-5. Eu não sou cachorro, não procura demonstrar que era tênue a linha que separava o universo cafona dos setores mais elitizados e combatentes da MPB.
“Os dois ambientes se freqüentavam muito”, diz o autor. As histórias às vezes são tão esdrúxulas que parecem ter sido retiradas de um roteiro do programa Casseta & Planeta.
LINDOMAR NO MPLA
O bolerista Lindomar Castilho lançou em 1974, no Brasil e em alguns países da África, o merengue Eu canto o que o povo quer (”estou com a maioria/ para o que der e vier”).
A música chegou a Angola no momento da guerra de independência. Virou uma espécie de hino dos ativistas do MPLA, Movimento Popular de Libertação de Angola. Lindomar era tão benquisto ali que construíram uma estátua em sua homenagem no Departamento Cultural de Luanda. Angola conquistou sua independência de Portugal em 1975.
DOM TROPICALISTA
A dupla Dom & Ravel tem uma história anterior ao sucesso de Eu te amo, meu Brasil. O projeto inicial da gravadora RCA era unir os irmãos ao movimento da Tropicália, colocando-os esteticamente ao lado de Caetano Veloso e Gilberto Gil. O primeiro disco da dupla, lançado em 1969, tinha faixas como Desvio mental, uma letra nonsense de Dom cheia de aliterações (”atrás das portas/ moscas mortas”), num arranjo com guitarras e vozes distorcidas ao estilo dos Mutantes.
BENITO BUSCA VANDRÉMeio perdida entre as faixas do lado B do disco Benito di Paula ao vivo, de 1974, a música Tributo a um rei esquecido era uma homenagem de Benito di Paula – cigano, cafona e ícone do sambão-jóia – a um dos artistas mais perseguidos pelo regime militar: Geraldo Vandré, autor de Pra não dizer que não falei de flores.
Na época circulava um comunicado da Polícia Federal proibindo “qualquer notícia, comentário ou referência” ao nome de Vandré. Benito sabia disso. Escapou da censura valendose de imagens contidas na canção Disparada, de Vandré e Théo de Barros, como a referência à palavra “rei” (”boiadeiro, já fui rei”).
A canção de Benito parecia se preocupar com o estado depauperado de Vandré, que voltara ao país depois de uma longo exílio: “Ele disse um poema para um poste, me vieram lágrimas/ o que fizeram com ele não sei/ só sei que esse trapo, esse homem, ele um dia foi rei.”
FONTANA NO OPINIÃO
Claudio Fontana é autor de O homem de Nazareth e Doce de coco.
Antes disso tudo, em 1965, ensaiou Carcará dias a fio para estrear no show Opinião – um marco artístico importante na resistência ao regime militar. Ele conhecia o compositor José Cândido, parceiro de João do Vale em Carcará, uma das canções do espetáculo.
Com a doença da estrela do show, Nara Leão, Fontana foi estimulado por Cândido a se apresentar a João do Vale. Decorou a letra, mas o encontro entre os dois foi um desastre.
“O João do Vale estava bêbado, caindo pelos cantos igual uma porca. Não falou comigo direito”, lembra Fontana. Nara acabou substituída por Suzana de Moraes e mais tarde por Maria Bethânia, que despontaria dali para o sucesso.

7 comentários:

  1. VALDIK SORIANO NÃO RECEBE NENHUMA HOMENAGEM DA TELEVISÃO:ISSO É UM PAÍS SEM MEMÓRIA E SEM CULTURA.

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    1. Concordo com você Osvaldo, Waldick merecia muito mais que só uma homenagem da TV, deveríamos fazer um apelo a eles.

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  2. Saudades do cantor ds estradas Valdik Soriano, nunca houve sequer uma homenagem a este cantor que audiiência pra muita gente.

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  3. porque nao encontro no catalogo da gravadora chantecler o disco "os grandes sucessos de wldik soriano"?

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  4. QUero deixar aqui um comentário para o autor dessas informações sobre a composição da músíca TORTURA DE AMOR. Em pesquisa sobre as gravações dessa música, percebi que tem uma informação que não procede.A autoria dessa música é de Osmath Duke( encontrei em outros sites) .O autor era empresário do Acre, na área de hotelaria, lanchonete e cinema na capital Rio Branco.Por favor ! corrijam.

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  5. Desculpem! sou radialista a mais de 40 anos no Acre, Meu nome é Nilda Dantas.

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    1. Gostaria de saber mais sobre Osmath Duke, porque tenho o disco original de Waldick Soriano gravado em 1962 pela Chantecler em disco de 78 RPM e o nome do autor é Waldik Soriano... joselitovsilva@hotmail.com

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